terça-feira, abril 25, 2006

Nerds F.C.

Esse reality show australiano é baseado em um modelo dinamarquês chamado FC Zulu (ainda estou investigando pra saber se "zulu" é nerd em dinamarquês). São oito episódios (apenas dois foram ao ar até o momento), é como vários outros reality shows: câmeras seguindo um grupo de pessoas. Mas a edição é cuidada e pelo menos é um assunto interessante de se ver.
Basicamente, são 14 nerds escolhidos para fazer parte de um treinamento de 3 meses com dois ex-jogadores de futebol, Andy Harpes e Milan Blagojevic . Sendo bons nerds, eles não fazem *idéia* do que é futebol (a tentativa de explicar o que é vem na forma de uma série de depoimentos hilários). A maioria dos participantes é programador, alguns são da área de humanas e quase todos bastante honestos em dizer que o máximo de exercício que fazem diariamente é levantar pra pegar mais uma Coca na geladeira.
No primeiro programa, eles são levados ao Centro de Ciências Esportivas da Universidade de Sydney, para uma avaliação física. Depois, voltam ao campo para conhecer os treinadores. O primeiro contato (ou falta de) com a bola é hilário, e serve para mostrar que o treinamento básico é mais do que necessário, caso eles queiram chegar ao final do programa intactos. Especialmente com o agravante de que o desafio final será jogar uma partida contra um clube oficial, em um estádio oficial, na frente de 25.000 pessoas.
Divididos em dois times, eles fazem um treino para definir posições. Exaustos do esforço, eles ainda descobrem que vão jogar mais uma vez, dessa vez com posições definidas, em um campo oficial. Naquele mesmo dia.
O desespero aumenta quando eles percebem que o adversário é... as Young Matildas, a Seleção Feminina Juvenil da Austrália. Apesar de alguns bons momentos de Trent, o goleiro, os Nerds acabam levando uma goleada histórica em seu primeiro jogo.
Além do formato interessante, o reality show ainda ganha em qualidade por causa do carisma dos nerds. Todos são muito bem articulados e bem-humorados a respeito de sua situação e condição. É interessante ver como um grupo de pessoas acostumadas a saber tudo lida com uma situação fora de seu controle. Nerds não gostam de não saber, e o legal vai ser ver *como* eles farão para aprender esse jogo tão complicado...
Nerds F.C. é apresentado, na Austrália, pela SBS, às sextas-feiras.

segunda-feira, abril 10, 2006

Através do espelho

Há 20 anos, a Jim Henson Company lançava um filme infantil que, contra todas as probabilidades, se tornou um cult até entre adultos (especialmente aqueles que viram o tal filme quando eram criança...). Labirinto era um conto de rito de passagem, a história de uma menina (Jennifer Connelly) que precisava passar por diversos obstáculos no tal Labirinto para salvar o irmão, e ainda derrotar o Rei dos Dundes (David Bowie).
Mas Labirinto é um filme de 20 anos atrás. Para crianças. Será que as crianças ainda se sentiriam inspiradas por aquele filme?
Nesse ponto, pode-se dizer que A Máscara da Ilusão (MirrorMask) é uma nova visão daquela mesma história, a jornada de uma adolescente chamada Helena (Stephanie Leonidas) em um mundo de sonhos, dividido entre o Reino da Luz e o Reino das Sombras.
Mas o mundo de Helena está dividido assim antes mesmo de ela ingressar nesse mundo de sonhos. Helena é uma filha do circo. Desenhista talentosa, extremamente criativa, ela ainda é malabarista, que se apresenta ao lado do pai e da mãe, e sua família é a trupe que trabalha para seu pai. Mas ela quer sair daquele mundo, ter uma vida "normal", o que causa seguidos atritos entre ela e a mãe (Gina McKee). Após uma dessas discussões, a mãe vai parar no hospital. Consumida pela culpa, e pela necessidade de se desculpar de verdade, "dessa vez pra ela acreditar em mim", Helena acaba, numa noite, sugada pra esse mundo irreal que ela descobre, aos poucos, ser exatamente igual aos seus desenhos.
Como em outros clássicos infantis, a missão de Helena é defender aquele novo mundo da escuridão que ameaça encobrí-lo, encontrar a tal Máscara da Ilusão e acordar a Rainha da Luz. Ao mesmo tempo, a Rainha das Sombras vê na menina a substituta para a sua filha, que fugiu de casa.
Nesse mundo, desenhado a partir dos sketches de Helena, é que está a verdadeira beleza do filme: aliando a imaginação de seu roteirista, Neil Gaiman, e de seu diretor, Dave McKean, a Jim Henson Company se mostra finalmente um passo adiante dos animatronics dos anos 80, e entrega um mundo recheado de gigantes, grifos, monstros e criaturas mágicas que realmente desafiam o olhar a se concentrar um pouco mais nos infinitos símbolos espalhados pela tela.
Nesse mundo em que as pessoas não têm rosto, têm máscaras, Helena é uma estranha com seu cabelo curto, seu pijama largo e pantufas de coelhinho. Mas ainda assim consegue ajuda de um malabarista ambicioso (Jason Barry) , que a guia até a Terra das Sombras, onde o confrontro com a Rainha é catártico para que a menina perceba o que está acontecendo, e como sair dali.
O filme parece ser um passo adiante da obra conjunta anterior de Gaiman e McKean: se o livro Coraline era uma versão de Alice no País das Maravilhas, A Máscara da Ilusão é parte Labirinto, parte História sem fim, em uma narrativa semelhante à Waking Life, de Richard Linklater.
Mas, acima de tudo, é a história de uma menina que se refugia em seu próprio mundo para exorcizar demônios internos que se transformam em demônios reais, e finalmente acorda para descobrir que não é mais criança.

domingo, abril 09, 2006

Homens e Idéias

Sexta feira estreou o filme V de Vingança, adaptação dos quadrinhos de Alan Moore, mesmo que renegada pelo autor, nessa interminável safra de continuações, remakes e conversões.
Não me entendam mal, o filme não é de todo ruim e, pessoalmente, acho até que deve ser assistido, nesses tempos em que a "guerra contra o terror" de um certo país não tem previsão de acabar. A atuação de Natalie Portman está muito boa, e Hugo Weaving realmente conseguiu passar expressões e sentimentos dignos da história original, mesmo com uma máscara de porcelana no rosto o filme inteiro.
O problema é este: o filme se encaixa na recente categoria de "Interessante se esquecermos completamente a história original", como foi o caso de Constantine, Elektra, e Mulher Gato, sendo que este último eu não teria coragem de chamar de interessante. Indubitavelmente, todos os elementos da história orginal estão lá, todos os personagens principais estão presentes, mas falta a idéia por trás da história, e no caso de V, isso é crucial, pois é exatamente uma história sobre uma idéia que parece esquecida nos tempos de hoje, e não sobre um homem, como clama o filme.
A idéia é a de que não é necessário um super-homem para ir contra o governo. Não é necessário golpes de kung-fu ou efeitos especiais, basta apenas que o povo veja as injustiças cometidas, e reclame para que os responsáveis sejam removidos. E talvez essa seja uma idéia perigosa demais para um país que já fez tantas injustiças recentemente.
Espero que como todas as adaptações, esta tenha o efeito de provocar a curiosidade no espectador de procurar o original, e ver a história como ela deveria ser contada, ao invés de ficar com a versão adocicada e removida de espírito, como a versão de Otelo que era exibida naquele Admirável Mundo Novo do senhor Huxley. [Edit] Nada como ter uma referência viva da literatura, conhecida como minhã mãe - aqui está a citação que procurava:

TRÊS SEMANAS NUM HELICÓPTERO. UM FILME SENSÍVEL ESTEROSCÓPICO, COLORIDO, FALADO, INTEIRAMENTE SUPERCANTADO. COM ACOMPANHAMENTO DE ÓRGÃO DE PERFUMES. (...) Cinco minutos depois ele estava em seu quarto. Tirou do esconderijo seu volume roído pelos ratos, virou com carinho religioso as páginas amarrotadas e manchadas, e começou a ler Otelo. Otelo, lembrou-se, era, como o herói de Três Semanas num Helicóptero - um negro. (Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley, final do capítulo 11)