sábado, junho 17, 2006

O fantasma dentro de nós

Em 2004 trouxe as mais recentes obras de três grandes diretores da animação japonesa: Hayao Miyazaki, Katsuhiro Otomo e Mamoru Oshii. Infelizmente, nem todos conseguiram chegar aqui. O Hauru de Miyazaki chegou nos cinemas na segunda metade de 2005, Steamboy de Otomo foi direto para o vídeo no final do mesmo ano, e eu só pude ver o terceiro porque um amigo meu baixou da internet e me deu de aniversário. Innocence: Ghost in The Shell 2 nos leva de volta ao fascinante mundo cyber-punk do primeiro filme. Dessa vez o sempre soturno detetive Battou tem um parceiro novo e começa a investigar um caso problemático: uma empresa que está crescendo bastante pelo sucesso de seus ginóides, robôs que copiam o corpo feminino, corre o risco de ser investigada depois de uma de suas unidades assassinar o seu dono e depois cometer "suicídio". No entanto, como é comum em muitas animações japonesas, o enredo, muito bem elaborado, tem um papel secundário. O filme tem duas vertentes muito fortes: a primeira é a discussão do que torna um ser humano diferente de um robô que pensa e tem emoções. Com o avanço progressivo da ciência e cada descoberta de que as nossas ações se devem a simples reações químicas e reflexos neurólogicos, não seríamos nós apenas máquinas pré-programadas no momento em que somos criados? Qual a diferença entre uma criança que aprende as regras de nosso mundo e um robô que está sendo programado por seu mestre? Essas são as questões principais tratadas no decorrer da história de forma bem trabalhada e sutil. A segunda vertente é a absoluta maestria na forma em que a arte da animação é desenhada. Eu ainda não achei palavras capazes de fazer jus ao estilo realista e ainda assim completemente fantástico de cada elemento do ambiente. Cada cenário tem um tratamento de luz particular, mostrando porque o desenho tem liberdades que o filme live action nunca irá conseguir. Aqui está a diferença entre estúdios americanos que tentam somente correr atrás do que está acontecendo, como a Disney que recentemente só faz desenhos 3D porque "está na moda", e estúdios que procuram fazer coisas novas e se expressar de maneiras diferentes, usando a computação como um meio e não como um fim em si. Uma atenção especial também deve ser dada aos fansubbers da kurenai, que legendaram o filme. Além do trabalho de explicar alguns dos termos do filme, eles dão a fonte de todas as citações usadas no filme, que não são poucas, e a legenda é primorosa, pois ela aumenta ou diminui o tamanho da fonte da legenda dependendo da quantidade do texto. De toda forma, esta última obra de Mamoru Oshii fecha com chave de ouro a trilogia de grandes animações que foi lançada dois anos atrás. Agora só nos resta a infame tarefa de esperar sair em vídeo e ter que procurar o título na estante de "Infantis" quando não tiver ninguém olhando.

terça-feira, junho 13, 2006

Que meda

Então que a minha irmã é fanática por filmes de terror. Não sei quando que os pólos se inverteram nessa casa, porque eu ainda lembro de um tempo em que eu idolatrava o Freddy Kruger (eu tenho um bonequinho dele, inclusive) e a Clau me amaldiçoava por um trauma eterno, depois que eu obriguei ela a ver It com 7 anos de idade. Ela odeia palhaços, é só o que posso dizer. Mas, de uns tempos pra cá, eu dei uma de medrosa e comecei a virar a cara em cenas mais gore. Os olhos da Clau brilham. Aí ela me cutuca quando a nojeira passa, e a gente continua vendo o filme. Ou a gente assume que o filme é uma porcaria e começa a fazer comentários sarcásticos a respeito - que foi o que aconteceu quando a gente viu Jogos Mortais, porque ninguém me convence que aquele filme presta. Mas então que a gente, obviamente, foi ver A Profecia. No dia 06/06/06 que era pra garantir o ingresso bonitinho. Eu li o livro, a Clau viu a primeira versão. E daí que o filme é bom. Dá sustinho, tem trama amarrada, bons atores (Liv Schreiber! Julia Stiles! Mia Farrow! Dumbledore!), mas não é nem um pouco original. Segundo a Clau, é o mesmo filme, com outros atores (e com os mais modernos modelos de celular). A única diferença é que, lançando em 2006, a história toda fica mais próxima da tal "profecia". Independente de qual das obras - livro, filme de 76, essa última versão - o que eu mais gosto na trama é justamente a crítica política mais do que óbvia sobre o domínio dos EUA. E gostei que, apesar do momento (e por causa do momento) atual, ela continua lá. É uma boa metáfora política. É um filme de suspense bem amarrado. Mas, POR FAVOR, expliquem pro Seamus Davey-Fitzpatrick que fazer cara de dor de barriga NÃO é igual a fazer cara de mau.

quinta-feira, junho 01, 2006

A luta pela diferença

A maior dificuldade em analisar uma adaptação é justamente saber separar as duas obras. Que o digam os fãs de Harry Potter! Mas no caso das adaptações de quadrinhos, a dificuldade é ainda maior, devido ao grande número de constantes presentes na equação: há, em primeiro lugar, a necessidade de ser fiel ao espírito original dos personagens. Em segundo lugar, o cinema é um meio de alcance maior do que os quadrinhos, e é preciso levar em consideração aqueles tantos espectadores que nunca leram a saga dos heróis, e ainda assim precisam de um ponto de partida para entender a história - o que não impede uma série de referências, quase piadas internas, para a alegria dos fãs. Por último - e, em Hollywood, talvez o mais importante - a rotatividade e a volatividade da fama faz com que, muitas vezes, produções milionárias precisam se adaptar a realidades diferentes. E é preciso fazer isso mantendo uma coerência não só com os primeiros dois pontos aqui apresentados, mas também com os filmes anteriores da série. Por isso é muito difícil julgar qualquer um dos X Men individualmente. No caso de X Men: O Confronto Final, o trabalho é ainda mais difícil, pois o cerco de imprensa e fãs em cima da produção já seria suficiente pra provocar um desastre. Como se isso não fosse suficiente, Bryan Singer, responsável pelos dois primeiros filmes, abandonou o navio dos mutantes em direção ao SS Superman Returns, e levou a tripulação consigo. O plano original de Singer era fazer o X3 somente depois de terminar o projeto do azulão, mas nós sabemos o quanto as distribuidoras americanas adoram esperar. Então, a Fox decidiu que iria continuar sem ele, nem com grande parte do staff de produção e escritores que estavam trabalhando na adaptação da DC. Levando tudo isso em consideração, Brett Ratner foi uma escolha perfeitamente razoável para continuar com a história. Ele tinha sido indicado para o primeiro filme dos mutantes, e já fez filmes de ação e aventura muito bons, como O Ladrão de Diamantes. Ele conseguiu dar rumo a três enredos concomitantes no mesmo filme, de forma coesa, caindo de para-quedas no último episódio de uma trilogia e isso merece no mínimo reconhecimento pelo seu trabalho. No entanto, houve reações diametralmente opostas em relação ao filme. As críticas mais ferrenhas que eu ouvi vieram de pessoas que conhecem os quadrinhos e disseram que a história não presta porque eles mudaram completamente os personagens. Ora, eu tenho apenas duas coisas a dizer: em primeiro lugar, a história já foi modificada, picotada, sacudida e montada do avesso mais do que algumas vezes nesses mais de 30 anos de universo Marvel. Em segundo lugar, o universo do filme é e sempre foi separado das HQs, e este terceiro volume é completamente consistente com o que tinha acontecido até o momento. Um último argumento é que como o próprio mestre Moore disse em entrevista recente: "Não haveria sentido que eu fizesse uma adaptação do livro (...) O que faço é pegar esses personagens para expandir suas vidas além dos limites que eles vivem nos romances". Devemos lembrar que filmes baseados em quadrinhos são complicados. As produções geralmente fazem sucesso, têm uma boa renda financeira, e ajudam a alavancar carreiras. Entre os fãs, no entanto, algumas discussões são quase eternas. O Hulk de Ang Lee foi lançado em 2003, e ainda hoje pode ser considerado "um filme de arte" ou "um grande lixo verde". O próximo super-herói a tomar as telas, o Super-Homem (e o homem por trás dele, Bryan Singer) terá a difícil tarefa de conciliar, no imaginário do espectador, diversas mitologias conflitantes, dos quadrinhos e dos filmes estrelados por Christopher Reeve até a inovações (nem sempre fiéis) feitas por Alfred Gough e Miles Millar na série Smallville (para alguns novos fãs, aquele é o Super-Homem. Como explicar isso pro pessoal da velha guarda?). X-Men: O Confronto Final fecha mais uma adaptação bem sucedida dos quadrinhos, trazendo todas as idéias e por que não controvérsia dos mutantes da Marvel, tanto para aqueles que acompanharam a equipe desde a formação original com os colantes amarelos, como para os que se encantaram com a sua versão cinematográfica.