domingo, abril 09, 2006

Homens e Idéias

Sexta feira estreou o filme V de Vingança, adaptação dos quadrinhos de Alan Moore, mesmo que renegada pelo autor, nessa interminável safra de continuações, remakes e conversões.
Não me entendam mal, o filme não é de todo ruim e, pessoalmente, acho até que deve ser assistido, nesses tempos em que a "guerra contra o terror" de um certo país não tem previsão de acabar. A atuação de Natalie Portman está muito boa, e Hugo Weaving realmente conseguiu passar expressões e sentimentos dignos da história original, mesmo com uma máscara de porcelana no rosto o filme inteiro.
O problema é este: o filme se encaixa na recente categoria de "Interessante se esquecermos completamente a história original", como foi o caso de Constantine, Elektra, e Mulher Gato, sendo que este último eu não teria coragem de chamar de interessante. Indubitavelmente, todos os elementos da história orginal estão lá, todos os personagens principais estão presentes, mas falta a idéia por trás da história, e no caso de V, isso é crucial, pois é exatamente uma história sobre uma idéia que parece esquecida nos tempos de hoje, e não sobre um homem, como clama o filme.
A idéia é a de que não é necessário um super-homem para ir contra o governo. Não é necessário golpes de kung-fu ou efeitos especiais, basta apenas que o povo veja as injustiças cometidas, e reclame para que os responsáveis sejam removidos. E talvez essa seja uma idéia perigosa demais para um país que já fez tantas injustiças recentemente.
Espero que como todas as adaptações, esta tenha o efeito de provocar a curiosidade no espectador de procurar o original, e ver a história como ela deveria ser contada, ao invés de ficar com a versão adocicada e removida de espírito, como a versão de Otelo que era exibida naquele Admirável Mundo Novo do senhor Huxley. [Edit] Nada como ter uma referência viva da literatura, conhecida como minhã mãe - aqui está a citação que procurava:

TRÊS SEMANAS NUM HELICÓPTERO. UM FILME SENSÍVEL ESTEROSCÓPICO, COLORIDO, FALADO, INTEIRAMENTE SUPERCANTADO. COM ACOMPANHAMENTO DE ÓRGÃO DE PERFUMES. (...) Cinco minutos depois ele estava em seu quarto. Tirou do esconderijo seu volume roído pelos ratos, virou com carinho religioso as páginas amarrotadas e manchadas, e começou a ler Otelo. Otelo, lembrou-se, era, como o herói de Três Semanas num Helicóptero - um negro. (Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley, final do capítulo 11)

1 Comments:

At 4/11/2006 03:43:00 PM, Anonymous Anônimo said...

Mas Chico, a idéia de que o povo comum pode derrubar um governo é, sim, transmitida no filme! Ou você esqeuceu da cena (muito bem elaborada, aliás, e não estava nos quadrinhos) em que milhares de pessoas vestidas de V desafiam o exército?

O que não deixaram passar foi a filosofia anarquista do V. Isso, sim, foi uma perda. Ficou a idéia de que ele só queria derrubar AQUELE governo, quando, nos quadrinhos, o buraco era mais embaixo - ele queria acabar com governos, ponto.

Mas o filme ficou coerente, afinal de contas. E eles taparam alguns buracos da história original, como o porquê do V adotar a Evey.

Mas concordo que o kung fu no final foi totalmente dispensável.

 

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